Era uma vez na América
Jair — Olha, Eduardo, seu aniversário é amanhã e você já sabe o que vai acontecer, né? Como te prometi no dia do segundo turno, vou te nomear embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Vai ser seu presente de 35 anos. Foi por isso que segurei a onda do Olavo, que ele tava doido pra ir pra lá. Agora você assume e leva ele como seu conselheiro. Vai ser bom porque com alguém por perto ele segura um pouco aquela língua.
Eduardo — Obrigado, pai, eu nem fui cobrar porque sabia que você não iria faltar com a promessa. Mas está seguro, né? Sabe o que vai falar por que o que mais vai ter é gente dizendo que é nepotismo ou que eu não sou preparado para o cargo…
Jair — O negócio do nepotismo você mesmo não já disse que viu com o Moro? Que só vale para cargos na administração direta, indireta e aquela baboseira toda?
Eduardo balança a cabeça afirmativamente.
Jair — Pois então é isso: você vai lá e repete essa mesma ladainha lá da súmula do STF e estamos conversados.
Eduardo — E a história de não ter condição para o cargo?
Jair — Ah, essa é moleza, nem preciso pedir ajuda a ninguém. Você fez intercâmbio nos Estados Unidos, trabalhou lá, inclusive, fritando hambúrguer em lanchonete. Além disso, fala inglês, o que, pra mim, é o único pré-requisito para trabalhar lá.
No dia seguinte, festa discreta no Palácio da Alvorada, mas com toda cúpula do governo. Um chef traz um bolo enorme no formato de hambúrguer com uma bandeira norte-americana ao lado das velas formando o número 35. ‘Todos cantam o Parabéns a você’ em uníssono. Ao fim, todos gritam:
- Discurso! Discurso! Discurso!
Um pouco encabulado, Eduardo faz um sinal para todos silenciarem.
Eduardo — Tudo bem, gente, vou falar. Até porque esse é o aniversário mais feliz da minha vida. Vocês não imaginam o tamanho do presente que ganhei do meu pai. Ninguém imaginou vendo esse bolo?
Todos balançam a cabeça negativamente.
Eduardo — Pois é. Como atingi a idade, serei nomeado pelo meu pai aqui o novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ele ainda não havia nomeado ninguém justamente aguardando que eu completasse a idade mínima para o cargo.
Fez-se tanto silêncio no local que parecia mais uma reunião de defuntos do que uma comemoração de aniversário. Após dez segundos de constrangedor silêncio, Ricardo falou lá do fundo:
Ricardo — não seria perigoso nomear um filho como embaixador com tão pouco tempo de governo? A oposição e a imprensa estão muito em cima. Primeiro vão dizer que é nepotismo, depois que ele não tem experiência nem capacidade para o cargo…
Jair — Tá chamando meu filho de incapaz?
Ricardo (branco feito um boneco de cera) — Não, não, longe de mim. Mas a gente sabe o que essa imprensa vermelha fala e escreve, né? Eles não podem ver um fio de cabelo para criticar o governo…
Jair — Já sei de tudo isso e tenho as respostas.
Carlos ainda tentou protestar: — Eu tenho o menor cargo, sou vereador, poderia ter algo mais, também…
Jair interrompe antes da frase terminar — Você é quem menos pode reclamar. Controlou toda comunicação durante a campanha, andou comigo de Rolls Royce na posse e até despachou no meu lugar enquanto eu estava na Suíça, quer mais o quê.
Flávio já ia abrindo a boca, mas neste momento passava na sua frente uma bandeja repleta de copos com suco de laranja. Calou-se e saiu da sala.
À tarde, durante um evento, com a notícia já vazada, Jair foi cercado por jornalistas para confirmar se seu filho seria mesmo indicado à embaixada.
Jair — Já consultamos essa questão da súmula do STF e não se enquadra como nepotismo. Fora isso ele já mostrou toda sua capacidade nas viagens que fizemos. Ele fez intercâmbio lá e fala inglês. Se fosse para a embaixada francesa eu até aceitaria as críticas, já que ele não fala francês. Mas nos Estados Unidos não vejo problema nenhum…
No segundo dia após a notícia, a internet brasileira virou um fenômeno com 90% dos textos no twitter escritos em inglês. Todos garantido serem fluentes no idioma de Shakespeare e pedindo seu lugar no consulado brasileiro nos Estados Unidos. Coincidência ou não, naquele dia o Google Tradutor passou 12 horas fora do ar apenas no Brasil.