Gabigol não é ícone antifascista, é apenas herói do Flamengo
O ‘drible’ de Gabigol no governador fluminense, Wilson Witzel, foi tão ou até mais reproduzido que os dois gols marcados pelo atacante que deram ao Flamengo sua segunda Copa Libertadores. A exaltação do terço da população brasileira que ainda se indigna com atitudes e palavras do político nos induz a achar que o jogador ignorou a reverência ridícula por Witzel ser um assumido defensor de uma política higienista contra negros e pobres. Mas será isso mesmo? Teria Gabriel Barbosa tamanha consciência do momento trágico que o País passa?
Dificilmente, embora a origem do atacante siga o clichê do jogador brasileiro: infância pobre na favela Parque Seleta, em São Bernardo do Campo. A atitude de Gabigol segue aquele raciocínio: ‘mirei no que vi e acertei o que não vi’.
Jogador de futebol, salvo raras exceções, não faz a mínima ideia do mundo que o cerca. É claro que ele sabe que existe favela, que tem gente pobre e sofrida por lá, até porque muitos de seus amigos ainda devem viver no mesmo local. Mas daí a tomar consciência de um governo que estimula e defende o extermínio de quem tem pouco dinheiro no bolso e muita melanina na pele vai uma distância maior do que entre o Rio de Janeiro e Lima, capital do Peru.
Gabriel apertou a mão do governador de modo protocolar. Ao ver o homem ajoelhar-se saiu pela tangente apenas pelo ridículo que era a cena — e era mesmo. Ele não tem mentalidade progressista e a consciência social termina nos seus amigos e ex-vizinhos. É duro, mas é verdade.
Aí alguns poderão questionar: “veja o Neymar, que tem um instituto em seu nome”. Sim, tem. Mas até onde vai a real iniciativa do jogador e onde começa o trabalho de todo estafe que faz a gestão de sua carreira?
Alçar Gabigol à condição de herói contra o fascismo pelo ato fala muito mais daqueles que o colocam nessa posição: a falta de perspectiva de quem se assusta com esse bando de zumbis carniceiros que se arrastavam por aí e agora encontraram uma aprovação tácita para emergir do esgoto em que se enfurnavam. O brasileiro, por mais bem intencionado que seja é cego, muito cego. E mesmo diante de toda escória desfilando todo dia embaixo de nossos narizes adotou outro tipo de cegueira: normalizar aberrações e desnormalizar banalizações.
Comemorar três passos para o lado de um jogador de futebol não vai ajudar em nada para melhorar.