O Brasil virou um saco de gatos

Wladmir Paulino
4 min readMay 13, 2020

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O Globo.

A lista de serviços considerados essenciais ampliada com salões de beleza, barbearias e academias de ginástica não é nada mais nada menos do que a manutenção da linha de atuação do presidente da República: manter o ambiente beligerante no País jogando — ou tentando jogar — a população, ou parte dela, contra os governadores. É atiçar a gritaria, criar rebuliço e manter sempre um grupo de um lado e outro grupo de outro. Em suma, aumentar o tamanho do saco de gatos em que o País se meteu há sete anos.

Sim, faz muito mais tempo do que você imagina, chego lá daqui a pouco.

Doze estados e o Distrito Federal já confirmaram que não vão seguir a orientação presidencial, que, diga-se de passagem, não se deu ao trabalho de pedir a opinião do Ministério da Saúde como mostrou um atônito Nelson Teich ao saber da novidade em plena entrevista coletiva. E a lista de negações deve ficar bem próxima dos cem por cento, talvez os governos de Roraima — seguidor ferrenho do bolsonarismo — e de Santa Catarina, pressionado pelas carreatas de SUV’s, possam dar o braço a torcer.

É bem óbvia essa recusa: não há qualquer embasamento científico que recomende, por exemplo, uma academia abrir. Um local onde muita gente permanece por muito tempo e compartilhando objetos. O mesmo vale para salões, onde existem procedimentos que duram horas.

Burro, eu?

Embora ainda existam muitos críticos do presidente que o apontem como burro, ele está longe disso, ainda que esse fato não o torne inteligente. Essa último decreto e outras atitudes, mostram uma ignorância minuciosamente calculada justamente para manter o status quo no qual o Brasil se encontra.

É difícil encontrar nas declarações e atitudes de Jair Bolsonaro algo diferente do que estimular o confronto. A marcha com os empresários ao STF na semana passada foi a mais flagrante delas. O grupo foi ao Planalto ouvir do mandatário e seu ministro da Economia perspectivas para o pós-pandemia. Como não havia sequer um esboço, o que fazer? “Vamos no STF mostrar ao Toffoli o que vocês querem!” Resultado: Toffoli, visivelmente surpreso e acuado por ter que abrir as portas da Corte a quem chegou sem avisar — como se ali fosse a casa de Noca — não prometeu nada porque não pode, já que é Poder Judiciário e não Executivo. Mas serviu para pintar em cores mais fortes a caricatura que mostra o Supremo como ‘inimigo’ da Nação e entrave para que o presidente governe.

Agora, joga novamente para a plateia menor — em poder econômico — e maior — na quantidade. Donos de salões/barbearias/academias, como não podem acompanhar o Bolsonaro para meter o pé na porta do STF ganham uma alforria. Esses são pequenos e microempresários, maioria esmagadora no País e que, inegavelmente, sofrem bem mais que seus pares graúdos e engravatados da indústria. São esses que agora vão comprar a briga em que todos batem, todos apanham e muitos morrerão. É a materialização das declarações do dia 29 de abril.

“Não adianta a imprensa botar na minha conta. A minha opinião não vale, o que vale são os decretos de governadores e prefeitos; Eles têm que responder, vocês não vão botar no meu colo essa conta”

E o saco de gatos de sete anos?

O confronto, o ódio que rachou o País e turbinou a campanha que levou Bolsonaro à vitória em 2018 nasceu lá nas Jornadas de Junho de 2013. Para quem não lembra, uma série de protestos no País contra aumentos de tarifas de transporte e gastos elevados com a Copa 2014.

Ali o saco começou a ser costurado com o primeiro gato. A apertada reeleição de Dilma Rousseff em 2014 por 3 pontos percentuais sobre Aécio Neves, completou a fissura já bem aberta. A imagem de um País dividido entrou para o imaginário brasileiro e encontrou eco no Congresso Nacional, insuflou ainda mais as ruas com a queda da economia e as denúncias de corrupção no PT.

O golpe final ficou para o processo de impeachment de Dilma em 2016. A essa altura o saco já era imenso. Ninguém mais sabia quem estava arranhando e por quem era arranhado. Escuro e violento, a saída parecia fechada, quando na verdade ninguém queria era sair dela.

Nesse clima de guerra, torna-se óbvio, agora vendo-se em retrospectiva, que o novo presidente seria aquele que tivesse coragem de mostrar uma arminha nas mãos e destilasse gasolina nos discursos. Quem estava com sangue nos olhos e a faca nos dentes caiu de amores. O amor por odiar é mais forte do que o ódio puro. Este é reativo, tem nome, endereço e, principalmente, um motivo. E quando o motivo deixa de existir, desaparece. Aquele, não. É atávico, intrínseco, uma espécie de cromossomo com um código genético do terror. Que para desaparecer, é imprescindível algo que, parece, deixamos de fazer: evoluir.

Não se engane, ainda temos, na melhor das hipóteses, mais 31 meses de provocações, confrontos, chamamentos à batalha.

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Wladmir Paulino
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Written by Wladmir Paulino

Jornalista, aspirante a contador de histórias

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