O governo que aboliu o ódio

Wladmir Paulino
4 min readApr 5, 2019

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Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. Então temos um país inteiro de cegos, incluída aí toda imprensa quando tentam analisar o comportamento dos seguidores de Jair Bolsonaro. Ele não foi escolhido porque apresentou o melhor plano de governo nem porque “o PT roubou” — pois haviam outras 12 opções. E dos mais variados espectros. Bolsonaro foi eleito porque, tacitamente, aboliu o pudor de um povo em se declarar e se orgulhar de ser homofóbico, racista, misógino e ‘pauperfóbico’ (no meu curto vocabulário não sei se essa palavra existe, mas refiro-me a aversão aos pobres). Não tem essa de ‘gado’ ou ‘passar pano’, as expressões mais usadas. Eles sabem o que querem. O que tem por aí é muita gente que não entende — ou não quer entender — esse mecanismo porque ele não é palpável, embora seja facilmente interpretável nos 250 caracteres do Twitter.

Ter no cargo mais alto da República alguém assim libera o ódio entranhado neste chão desde que as primeiras esquadras portuguesas aqui chegaram. O Brasil é violento e segregador desde que se entende por Brasil. Os índios eram inferiores, portanto deveriam ser escravizados. Depois, os negros. Depois, qualquer um que não tenha condições financeiras. Depois quem não tenha um pênis entre as pernas. Depois, quem luta para moldar seu corpo à sua alma. Depois, quem ama um igual.

O brasileiro ama e sempre amou odiar. E agora ele ‘pode’. E esse poder se manifesta de todas as formas possíveis: é o segurança que imobiliza um jovem negro num supermercado até matá-lo por asfixia. É o homem que matou a mulher “por não aceitar o fim do relacionamento”. É a blogueira feminista que recebe todo tipo de xingamentos nas suas postagens. É o parlamentar homossexual eleito democraticamente que desiste do mandato para salvaguardar a própria vida e de sua família.

Não duvide. Grande parte dos quase 58 milhões de votos em Bolsonaro não estavam preocupados em acabar com a corrupção. Nem tinham certeza de que o Caminho da Prosperidade estava traçado. Essas pessoas queriam e querem um grito de liberdade. Ainda que esse grito seja negar essa mesma liberdade para o seu semelhante. Essas pessoas querem gritar: “Negro safado” e “Viadinho filho da puta” sem que ninguém aponte o dedo para elas. Eles querem manter suas mulheres sob suas asas, elas queiram ou não . Elas não querem viajar no avião ao lado de pobre. Elas não querem ver o filho da empregada na mesma universidade que seu filho que estudou em escola particular. Elas não querem nem ler a Bíblia:

Se vocês derem atenção especial ao homem que está vestido com roupas finas e disserem: “Aqui está um lugar apropriado para o senhor”, mas disserem ao pobre: “Você, fique em pé ali”, ou: “Sente-se no chão, junto ao estrado onde ponho os meus pés”, não estarão fazendo discriminação, fazendo julgamentos com critérios errados?
Tiago 2:3–4

Não faz qualquer diferença se a Petrobras teve um lucro trilionário ou um prejuízo bilionário. Pouco importa se a previdência proposta fará muita gente escolher entre morrer de fome ou de trabalhar. Pouco importa se a Palestina fechar as portas para nossa carne. O que importa é: “Eu tenho o poder de diminuir você e você não vai reclamar”. O feijão está caro? Sim. O ministro do Meio Ambiente foi condenado por improbidade? Foi. O chefe da Casa Civil admitiu caixa dois? Também. Mas ninguém quer saber. Nem mesmo onde está o Queiróz… Aquele dos depósitos, lembra?

O entendimento do sentimento do povo (a maioria) pela equipe que coordenou a campanha de Bolsonaro foi perfeito. Com o aval para destilar ódio essa pequena relação de problemas aí em cima torna-se secundária. E se ele for rápido como está demonstrando ser, quando o barco começar a afundar vai ter construído uma narrativa suficientemente forte para suas falanges culparem ‘o outro’. Se não foi herança maldita do PT vai ser o Congresso que não votou a reforma, o IBGE que contou errado ou o STF afrouxando a corda para os criminosos do colarinho branco.

Portanto, meus amigos, deixem de ser inocentes ou fingir que são. Sensação de poder não vai pesar no bolso de ninguém, ao menos por enquanto. Enquanto tantos puderem pisar em muitos, a permissividade vai imperar. E muito sangue ainda vai ser derramado.

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Wladmir Paulino
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Written by Wladmir Paulino

Jornalista, aspirante a contador de histórias

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