O mais brasileiro dos presidentes
Escrevi a palavra arquétipo no Google apenas para tirar a dúvida e as cinco definições que me apareceram confirmaram o que eu já sabia: o título aí em cima encaixa-se perfeitamente no presidente Jair Bolsonaro, você goste dele ou não. E a cada entrevista, resposta atravessada ou uma simples tuitada ele corrobora mais o que penso dele.
Basta compararmos o perfil do atual morador do Palácio da Alvorada com seus mais recentes antecessores. Para ficarmos mais perto da história, a tarefa considerará os eleitos após a redemocratização do País e eliminando os dois vices que assumiram após os impedimentos — Itamar Franco e Michel Temer. Sim, eu sei que eles faziam parte das chapas, mas ninguém marcava X na cédula nem apertou o confirma na atual urna pensando no banco de reservas. O caso de José Sarney, herdeiro de Tancredo Neves, é semelhante, com a diferença da forma que o titular foi eleito: conduzido à presidência por um colégio eleitoral. Tancredo não tomou posse por problemas de saúde na véspera da cerimônia (14/3/1985) e morreria no dia 21 de abril daquele mesmo ano.
Vamos a eles, por ordem cronológica.
Fernando Collor de Mello — 1990/1992
Em sonho algum, o brasileiro médio tem como perfil o primeiro presidente eleito pelo voto popular após a Ditadura Militar (1964/1984). Collor nasceu em berço de ouro. Seu pai, Arnon de Mello, foi um dos políticos mais populares de Alagoas, além de comandar veículos de comunicação. O filho seguiu o mesmo caminho: a beleza física e a juventude — subiu a rampa do Planalto aos 40 anos, até hoje o mais jovem a fazê-lo — o ajudaram, aliada a uma agressiva campanha de marketing, algo que, na época, estava a anos-luz de distância da política recém-acordada do País. Collor ganhou fama como ‘Caçador de Marajás’, usou os veículos de comunicação como bem entendia e foi eleito. Uma vez com o poder nas mãos continuou na mesma linha: semanalmente era filmado fazendo exercícios ou andando de jet ski, pilotando caças e outras estripulias, enquanto o povo via o dragão da inflação derreter seu salário mês a mês. Os planos econômicos surtiam efeito por pouco tempo e a economia, que não era grande coisa desde o início dos anos 1980, desabou ainda mais com as denúncias de corrupção. A saga do playboy que virou presidente acabou no dia 29 de dezembro de 1992, quando o impeachment foi confirmado. É um homem com uma história de vida bem distante do brasileiro. Funcionava mais como algo ao que o povo queria atingir do que uma autêntica representação dos eleitores. O ex-presidente tem nada menos do que 13 automóveis registrados no Tribunal Superior Eleitoral, que vão de um simples Gol a Ferrari, BMW e Mercedes.
Fernando Henrique Cardoso — 1995/2002
Após o impedimento de Collor, seu vice, Itamar Franco, assumiu o restante do mandato. Ganhou o mérito de, finalmente, conseguir dominar a inflação. Com isso, conseguiu eleger aquele que fora apontado como o pai do Plano Real, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. O estilo do segundo Fernando eleito consecutivamente era bem diferente de seu antecessor, mas ainda assim distante do brasileiro médio. FHC, como ficou conhecido, era, e ainda é, um respeitadíssimo intelectual. Os 29 títulos de doutor honoris causa, os mais de 30 livros publicados e a cadeira conquistada na Academia Brasileira de Letras não deixam nenhuma dúvida sobre isso. Em um estudo divulgado pela OCDE em setembro deste ano, o Brasil aparece entre os cinco países com as piores taxas de pessoas no ensino superior, entre as 45 nações analisadas: 21%.
Luiz Inácio Lula da Silva — 2003/2010
‘Agora quero ver se ele não vai dizer que Lula é do povo’, devem estar pensando vocês, lulistas ou anti-Lula. Pois não vou dizer não. Realmente, Lula é do povo, é o nordestino que saiu do interior, da seca, filho de mãe forte e pai fraco. O cara que gosta de uma cachacinha e bater pelada no final de semana. A profissão, torneiro mecânico, os tropeços no português e a barba cerrada do início da carreira política faziam todo sentido. Mas… O fato é que Lula é tudo isso descrito aí em cima, porém há uma diferença crucial para o povão: ele venceu na vida. Virou líder sindical, fundou um partido, virou deputado e depois de três derrotas, foi eleito presidente da República. Pois então me digam quantos ‘Lulas’ você conhece? Quantos, dos milhões de personagens com a mesma ou até mais trágica história, chegam ao menos na metade do que ele chegou? Poucos, quase nenhum. A maioria dos nordestinos pobres segue a mesma sina de seus pais: vivem na seca, trabalhando por migalhas de sol a sol e quando chegam aos 60 anos — se chegarem — parecem mais ter 80. Isso quando não sobem num caminhão, ônibus ou qualquer outro veículo com o sonho de fazer algo diferente na região sudeste e se tornam os mesmos trabalhadores braçais, só que urbanos. É cruel, mas é verdade: quem tem origem na pobreza quando encontra a riqueza torna-se exceção e não regra. Por isso, a figura de Lula ainda se distancia do brasileiro médio.
Dilma Rousseff — 2011/2016
A herdeira do Lulismo é mais fácil de se analisar. É mulher e isso já bastaria. Embora a maioria da população brasileira seja feminina, o machismo ainda fala muito, mas muito alto no Brasil, o que impõe uma série de absurdas regras tácitas para mulheres. Para completar a lista de Dilma, é uma mulher divorciada e que ainda ousou pegar em armas na juventude para combater a ditadura militar. Foi presa e torturada como todos sabem. Assim como Collor, deixou o poder após um controverso impeachment, já que os crimes que a levaram a ser alijada também haviam sido cometidos pelos dois antecessores.
Jair Bolsonaro — 2019…
Chegamos nele. Bolsonaro não é pouco brasileiro não. É muito. Seus detratores o acusam de tosco, ignorante, racista, homofóbico, machista, etc, etc. E é tudo verdade, ele, realmente é tudo isso. Sabe por quê? Porque nós somos. O brasileiro, em sua essência, é um projeto de Bolsonaro. Lembram do internauta que o citou mostrando uma foto depreciando a aparência da primeira dama da França e a forma como o presidente comentou?
Tá vendo? Bolsonaro é o colega gaiato que todo mundo foi, aspirou ser ou teve no fundamental II ou ensino médio. É o cara que sabia todas as piadas, principalmente as de negros e gays. Numa entrevista na TV Bandeirantes em 1999, o então deputado federal afirmou que sonegava o que fosse possível de impostos.
“Conselho meu e eu faço: eu sonego tudo que for possível. Se puder, não pago (imposto) porque o dinheiro vai pro ralo, pra sacanagem. Prego sobrevivência. Se pagar tudo o que o governo pede, você não sobrevive”.
Vai dizer que você aí não conhece ninguém que faça o mesmo? Vai dizer que você nunca atravessou o sinal vermelho quando percebeu que não havia câmera de fiscalização ou guarda de trânsito? Ou nunca deixou seu carro na faixa amarela ou na vaga para deficientes? O trânsito é o maior tirador de máscaras do brasileiro e isso não é em nada diferente do antigo conselho do hoje presidente.
Ao chamar a si mesmo de Johnny Bravo, o carente cognitivo personagem de desenho animado, o presidente não errou. Aliás, ele sabe muito bem quem é. De certa forma também está ajudando nós, brasileiros a, finalmente, reconhecer quem somos.