O mais humano dos deuses

Wladmir Paulino
3 min readNov 25, 2020

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A eternidade atingida por Diego Maradona neste 25 de novembro de 2020 não veio pela capacidade sobrenatural de jogar futebol. Alguns já o fizeram antes dele e outros tantos o fariam depois. Veio por ele ser ao mesmo tempo, frágil e infalível, tangível e intangível, humano e divino. Os argentinos que perdoem, mas Diego era o mais homem entre os deuses.

É como se, antes de nascer, ele houvesse recebido a autorização: “Olha só, Diego, você vai lá e fazer coisas que só nós, os celestiais, fazemos, você vai desafiar a lógica como se estivesse brincando, vai ser uma prova que nós, deuses, existimos. Combinado?”

Não, não estava combinado. Maradona executou apenas a primeira parte do plano. Porque ele sabia que se ganhasse uma Copa do Mundo praticamente sozinho ninguém acreditaria que ele seria feito da mesma matéria que nós. E ele, altruísta, que é, queira mostrar ser possível ser um escolhido e fazer coisas que nós fazemos. “Quando me dizem que sou Deus, eu respondo que estão equivocados. Sou um simples jogador de futebol. Deus é Deus e eu sou Diego”. Se o próprio disse isso quem somos nós para dizer que ele está errado.

Foi por isso que ele brigou, virou amigo de Fidel Castro — que também morreu num 25/11, mas em 2016 — bebeu mananciais de álcool e cheirou pirâmides de cocaína, meteu os pés pelas mãos fora de campo como a prisão por porte de drogas e o ataque a jornalistas que faziam plantão em sua casa com tiros de ar comprimido.

Queiram ou não essa ficha corrida o trouxe para perto de nós. Quem nunca acordou puto da cara um belo dia com vontade de chutar a bunda de todo mundo ou mandar uma bela dedada quando enchem o saco? Todos temos vícios, velados ou expostos. E Maradona não foi mais que o catalisador de tudo isso.

Todos gostamos de estar perto de alguém assim, nos dá ilusão de igualdade. E ser um igual era o que Maradona defendia. “Sou completamente esquerdista, de pé, de fé e de cérebro.”

Maradona não jogava com o corpo, mas com a medula, e era assim que levava a vida, com a intensidade de um Charles Bukowski ou Edgar Allan Poe. Nunca quis ser ídolo, apenas brincar com a bola como os dois citados brincavam com as palavras.

Diego Maradona vai fazer uma falta danada. Não pelo que fez em campo, coisas que ele não fazia desde sua primeira morte — jogador de futebol morre fisicamente duas vezes — em 1997, mas por ser tão intenso, tão humano, como poucos gênios foram. E é justamente isso que o torna tão superlativo, tão eterno.

Hoje é dia do futebol silenciar. Ninguém joga, ninguém chuta uma bola, não se bate uma pelada na praia. Suspendam-se os campeonatos, sejam quais forem, da abastada Uefa Champions League aos treinos do Só Resenha dos Coelhos. É dia de respeitar a dor da bola, que perdeu o mais charmoso entre seus amantes.

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Wladmir Paulino
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Written by Wladmir Paulino

Jornalista, aspirante a contador de histórias

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