O Projeto de País -1
Analistas políticos recheiam páginas em branco, físicas ou virtuais, como se descobrissem a pólvora depois de cem dias de governo: não há um projeto de País. Erram e acertam. Acertam que não há um projeto, mas de acordo com o que é entendido como ‘normal’ numa gestão pública. Mas o que menos temos aqui no Brasil é ‘normal’. Daí vem o erro na análise. Tal ‘anormalidade’ é justamente o projeto. Ele existe, atualmente, como se fosse um anteprojeto. Primeiro, é preciso apagar lembranças questionáveis, seja pela supressão pura e simples, seja pela transfiguração da realidade. Segundo, é preciso bloquear a cognição, impedir processos de associação, comparação, pesquisa. Em suma, pensar e questionar.
Não é por acaso que o chumbo grosso da máquina seja mais forte em duas vertentes: comunicação e educação. Todo o esforço estratégico do governo Bolsonaro tem se resumido praticamente a isso. As exceções são os dois ministros-celebridade, cada qual com seu samba de uma nota só: Paulo Guedes (Economia) e a reforma da Previdência; e Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) com uma série de mudanças na legislação batizada pleonasticamente de pacote anticrime. Os demais são coadjuvantes, alguns cômicos, como Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos); outros trágicos, como Ernesto Araújo (Relações Exteriores) ou vilões, vide o condenado Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Marcelo Álvaro Antônio, envolvido na semeadura do laranjal de seu partido — e do presidente (PSL) — e agora acusado de ameaçar de morte uma deputada da mesma legenda.
Alguém sabe quem é Tarcísio Gomes de Freitas? Breno Costa Lima Leite? Marcos Pontes, é possível que muitos saibam porque foi o primeiro astronauta brasileiro. Mas ele faz o quê?. Os dois primeiros respondem por Infraestrutura e Minas e Energia, respectivamente. Até mesmo Luiz Henrique Mandetta, titular da Saúde, é quase um sujeito oculto. E olhe que falamos de uma pasta com orçamento de R$ 122,60 bilhões para este ano. O mês de abril está entrando na reta final e o que tem sido feito com tamanho recurso? Até agora, foram executados R$ 27,69 bi, de acordo com o Portal da Transparência. Um cálculo rápido dá R$ 254 milhões por dia, gasto que, projetado até o último dia de 2019, prevê a execução de R$ 65 bilhões, pouco mais de 53% do que foi orçado.
Na certa alguém vai aparecer para comemorar, já que foi — ou poderá vir a ser — uma “economia para os cofres públicos”. Seria economia se tudo funcionasse plenamente ou próximo disso. Mas estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), do ano passado, apontava uma redução de 41 mil leitos do SUS entre 2008 e 2018. Isso sem falar na redução do Programa Mais Médicos, infraestrutura de hospitais, remuneração precária dos profissionais.
Mas quando se trata de comunicação a história é diferente. O maior mérito da equipe de Bolsonaro foi entender que os canais tradicionais de comunicação não fariam a diferença. Por isso, os oito segundos de propaganda no primeiro turno foram usados apenas para cumprir tabela. O então candidato usou e abusou das redes sociais para amplificar suas mensagens enquanto os outros esforçavam-se para fazer pirotecnias na televisão.
A receita deu tão certo que ganhou um considerável reforço após a posse, o que é óbvio, já que, agora, a máquina estava ao dispor. Do whatsapp passou-se ao twitter como ferramenta de propaganda e, principalmente, arena de guerra contra opositores. O uso de robôs é bem óbvio, mas, ainda que não seja considerado ‘autêntico’ acende um rastilho de pólvora e cria um efeito manada nas redes, tocando em pontos-chave no imaginário da população: corrupção, imprensa mentirosa, etc.
Essa tática tem por objetivo, primeiro calar quem já tem uma visão de mundo formada. Daí a agressividade. O tal linchamento virtual tem por único objetivo não permitir que fatos verdadeiros, mas que incomodam o establishment, literalmente sumam do mapa. Apontar uso de laranjas no partido do presidente vai fazer alguém questionar: ‘Se o discurso era tão agressivo contra a corrupção porque juntou-se a um bando de laranjas?” O exemplo mais óbvio foi a desistência do deputado federal eleito, Jean Wyllys (PSOL) de exercer o segundo mandato. Uma voz que se levantava em algo em bom som não terá mais reverberação.
A segunda é usar a máquina estatal propriamente dita. Não é por acaso que o gasto com publicidade do governo aumentou nos três primeiros meses. As empresas de comunicação governamentais, como EBC e TV Brasil já foram avisadas de mudanças na programação, trocando programação cultural e educativa por serviços e boletins dos feitos do Governo, o que, aliás, pode caracterizar propaganda, prática vedada na legislação que criou as empresas.
Some de um lado uma falange de fanáticos dispostos a qualquer coisa para destruir reputações e calar opositores, sejam pessoas físicas ou jurídicas (jornalistas e veículos). Com o silêncio de uns, apenas o recado de outros será ouvido e quem monopoliza a informação pode dar a maquiagem que melhor aprouver. A verdade não será algo mais buscado nem oferecido, mas massificado por apenas uma voz.
Aí já colocamos uma parcela considerável de gente sob um único trilho. Justamente aquela gente que trabalha, consome, estuda, vota. Ela mesma, a população economicamente ativa do País.
O outro lado é dominar o futuro. Esse através da educação. Assunto para o próximo texto.