O Projeto de País — 2

Wladmir Paulino
4 min readMay 3, 2019

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Como quase toda crítica ao governo Bolsonaro, o que diz respeito à educação era apontado apenas como fruto da incapacidade de Ricardo Vélez em assumir uma área tão importante. Do ponto de vista das intenções pode-se dizer que ele não é, mas foi fritado porque abusou do direito de sê-lo. Explicando: ninguém quer que o Brasil seja referência intelectual, o que se quer é fazer com que nossas crianças e jovens pensem o mínimo possível. O novo educar brasileiro é voltado único e exclusivamente para a execução. Não importa saber o quê se está produzindo, para quê nem para quem. O projeto de país é criar uma nação de autômatos. Ou vocês acham que a declarada desnecessidade de disciplinas como sociologia e filosofia é gratuita. A opinião é, justamente do substituto de Vélez, Abraham Weintraub. Para ele, o foco deveria ser agronomia. Estranho, justamente na única região em que Bolsonaro não venceu, né?

O Projeto de País — 1

Outra iniciativa governamental é estimular a educação domiciliar no ensino fundamental, o chamado homeschooling*. Ignora-se que a socialização nos primeiros anos também faz parte do processo educacional? Claro que não! Sabem tanto que é justamente isso que combatem. É tudo parte de um imenso quebra-cabeça que nem é tão difícil de ser montado — a não ser que você não seja estimulado e pensar 😉.

Quem não socializa não troca ideias, não apreende a capacidade de ouvir e respeitar a opinião do outro, não entende que existem espaços a serem divididos, que onde começa o seu direito o meu acaba, não enxerga que o outro que está ali do seu lado é tão cidadão quanto você. E a falta de sociabilidade tira a capacidade de entender que eu sou mais forte quando tenho você ao meu lado. Perde-se o potencial de mobilização. E uma sociedade que não se mobiliza é bem mais fácil de ser manipulada sem o uso da força física. Ainda não entendeu, vamos fazer uma analogia mais próxima, usando o esporte mais popular do País, o futebol.

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Imagine um time que passe a treinar seus jogadores individualmente. Há apenas o técnico e o jogador. Esse técnico ensina os fundamentos básicos: domínio, chute e passe. Digamos que esse garoto que está sendo treinador tem uma habilidade inata. Depois de quatro anos treinando apenas dessa forma ele é colocado num time. Onde ele vai se posicionar, na defesa, no meio, no ataque? Quando o time dele estiver com a bola que atitude ele deve ter? Se desloca para que lado do campo? Quando o time perder a bola vai apenas esperar ela voltar milagrosamente aos seus pés ou vai tentar recuperá-la? Provavelmente, esse jogador, quando tiver a bola vai tentar passar por todo mundo até chegar ao gol adversário. Por ser fominha? Sim, porque ele foi educado para não tocar a bola para quem estiver melhor posicionado.

Na vida extra-campo seria mais ou menos dessa forma: um atleta praticante de uma modalidade coletiva jogando apenas individualmente. Sem ‘troca de passes (ideias)’ não se ‘marca gol’ (constrói-se uma vida melhor)’. E quando o adversário vem marcar o gol, se eu e você não bloquearmos a progressão dele, ele vai chegar lá.

Voltando ao nosso quebra-cabeça. Você tira do currículo disciplinas que estimulam a reflexão e o questionamento, precariza a sociabilidade estimulando a permanência dentro de casa. À medida que essas crianças começam a tomar seus lugares como vetores da sociedade são bombardeadas com as informações que, lá na outra ponta da história já estavam sob o monopólio do Estado. Com pouca ou nenhuma capacidade de refletir, pesquisar e associar tudo vai sendo aceito, seja qual for a intenção. E uma sociedade apática ou incapaz de questionar qualquer coisa é tudo que um governante precisa para administrar de forma totalitária com verniz democrático.

Em pleno Século XXI não cabe mais destruir instituições à força, mas transformá-las ao bel prazer. Como cortar a verba da universidade X e Y, exonerar reitores que não estão alinhados com a sua ideologia. E não haveria viés ideológico... Entendam, viés ideológico vai existir sempre. E a ausência dele é uma das ideologias mais perigosas.

*A análise em questão levou apenas o aspecto sociológico. Outro aspecto grave é a violência. Levantamento do Ministério dos Direitos Humanos em 2017 mostrava que o local onde ocorreram 45% das agressões foi a casa das vítimas.

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Written by Wladmir Paulino

Jornalista, aspirante a contador de histórias

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