Por que criticar Zico e endeusar Sócrates é regra?

Wladmir Paulino
3 min readOct 23, 2020

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Uma homenagem a Pelé foi o suficiente para os gladiadores virtuais empunharem suas armas na arena do Twitter em pleno aniversário de 80 anos do Rei. Questionaram a capa do Extra em que O Maior de Todos aparece num trono sendo aplaudido por Messi, Cristiano Ronaldo, Maradona e.. Zico. Os três primeiros vestidos com as camisas das respectivas seleções. O Galinho, de vermelho e preto. Foi o estopim para as críticas de torcedores e até jornalistas esportivos, que viram na imagem uma forçada de barra para incluir o Flamengo na história.

Pus-me a refletir o seguinte: sim, tinham razão. Incluir o Flamengo é uma mistura indisfarçável de clubismo e caça-cliques. Mas mostra um lado também parcial de torcedores e mais ainda de jornalistas. Por isso pergunto: Por que Zico é tão perseguido e Sócrates tão endeusado?

Foram geniais? Sim. Privilégio de quem, como eu, pôde vê-los em campo, pois atuaram na mesma época. Mas o Doutor, ídolo do Corinthians, é praticamente intocável, enquanto o Galinho de Quintino é sempre lembrado por não ter vencido nada com a seleção brasileira, situação em que o eterno camisa 8 do Timão se encontra, afinal, como já dito, são contemporâneos.

Mas Zico não foi apenas um jogador de Maracanã. Venceu três brasileiros, uma Libertadores e um Mundial de Clubes. Em todos fazendo uma enorme diferença em favor de seu time. Sócrates não. O Doutor, sim, ficou entre quatro paredes. As maiores conquistas foram três Paulistas com o Corinthians e um Carioca com o Flamengo. E ficou por isso mesmo.

É sintomático quando lemos e assistimos programas analisando os dois jogadores. Quando a referência é desfavorável a Zico o futebol sempre entra em primeiro lugar, embora ele tenha sido, sim, um jogador com imensas conquistas. A lembrança de Sócrates vem primeiro pela sua inteligência, engajamento e posicionamento político, algo raro na época dele e muito mais hoje em dia.

O brilho de Zico foi por ser um atleta de altíssimo nível. Tinha um físico mirrado para jogar futebol, mas passou por cima dessa dificuldade e tornou-se um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos. Era justamente contra essa disciplina de atleta que Sócrates se insurgia. Bebia e fumava.

E a Democracia Corintiana era sinônimo de liberdade e diálogo, que serviu de grande exemplo para um País que ainda buscava romper os grilhões de uma ditadura ainda em seus últimos suspiros. Deixou um gosto de ‘quero mais’ em quem amava futebol. Aquele time de Sócrates era tão brilhante quanto o Flamengo de Zico, mas não chegou em perto das mesmas conquistas.

Talvez seja justamente esse o motivo dessa blindagem a Sócrates. O fato de ele ter sido menor do que poderia ser é abrandado pelos seus discursos políticos em defesa da democracia. Quem não lembra de sua ameaça de que se a emenda das eleições diretas não passasse ele deixaria o País — o que de fato aconteceu -? É como se o Doutor houvesse, conscientemente, sacrificado seu projeto de ser um dos maiores da história em defesa de algo muito mais urgente para a sociedade e por isso há um tabu em aponta-lo como um jogador menor.

Zico é outra história. Como ficou apenas dentro do campo colocou-se na posição de tomar pancada de tudo quanto é lado. E seu maior ‘crime’ foi não ter vencido nada com a Seleção, como se a culpa fosse apenas dele. Como se em 1978 a manipulação da Argentina não fizesse a diferença, em 1982 Telê não tivesse a capacidade de fazer o time se defender com um mínimo de qualidade — o Brasil só não levou gol da microscópica Nova Zelândia — e em 1986… Bem, aquela bagunça que foi a seleção em 1986 não seria salva nem por Pelé.

Zico foi um gigante. A geração pentacampeã sabe que deve muito a ele por escolher chutar uma bola.

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