Quantos cilindros de oxigênio vale um cartão vermelho?

Wladmir Paulino
3 min readFeb 22, 2021

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Com a tenacidade de um Mangalarga Marchador, o Brasil caminha, célere, para os 250 mil mortos por Covid-19 na mesma semana em que Elusmar Maggi Scheffer pagou R$ 1 milhão para o Internacional ter o lateral Rodinei diante do Flamengo, jogo que, para os gaúchos, era a ‘final’ do Brasileirão.

Aos 28 do primeiro tempo, com o Inter já vencendo por 1x0, Bruno Henrique é lançado no lado direito da defesa colorada. Era lá onde Rodinei estava para fazer jus ao milhão de seu ilustre torcedor. Ele estava, mas demorou a tomar uma decisão. E foi fatal. BH cruzou para Arrascaeta, livre, empatar o jogo.

Um pouco mais tarde, aos quatro minutos do segundo tempo Rodinei do Milhão disputou uma bola e pisou no tornozelo de Filipe Luís. O VAR chamou o árbitro, que decidiu pela expulsão. Um cartão vermelho de um milhão de reais, com o agravante que se fosse apenas o amarelo, não seria injusto.

O Flamengo nem jogou isso tudo, mas o suficiente para virar o jogo e a tabela. Agora é ele quem lidera, com dois pontos de vantagem e apenas um jogo do fim.

Mais do que memes, o milhão doado para o time é algo tão agressivo num país como o Brasil, que se custa a acreditar. É uma grana que daria para 200 cilindros de oxigênio, por exemplo. Ou pagar um auxílio emergencial de R$ 600 para quase 1.700 pessoas.

“Deixe de ser chato, o dinheiro é dele, ele faz o que quiser”, diriam muitos. Sim, estão certos. Mas é aqui que entra o que nos diferencia dos animais: nosso poder de raciocínio, que em última instância, significa escolher. Ele tem o direito de escolher, o poder de fazer a diferença como muitos que queriam não podem.

Ao ler a história da multa e seu desfecho não pude deixar de pensar na atitude de um menino no interior da Bahia, que viralizou nas redes sociais, se não me engano em 2019 — a pandemia nos potencializou a perda de noção de tempo.

Um integrante de um grupo de ciclistas havia perdido o pedal da bike quando encontraram esse garoto, pobre, que morava com a família numa casa humilde. O menino deu o pedal de sua própria bicicleta. “Deus vai me dar em dobro”, disse aos homens que o agradeceram.

Dias depois, o grupo levou uma bicicleta novinha em folha, além de uma cesta básica para a família.

Em que momentos deixamos abrimos mão de nosso maior dom? Ou será que realmente nunca o tivemos? Somos apenas mais um entre tantos outros animais que pairam neste planeta nos matando. A diferença é apenas a forma, já que fazemos com requinte. Não temos dentes para estraçalhar, mas criamos outros instrumentos, da pedra usada para matar Abel passando pela pólvora, veneno, bomba atômica até chegar na mais sutil — e por isso mesmo a mais perversa: a omissão.

Um pedal de bicicleta vale muito mais que um lateral expulso aos quatro do segundo tempo.

EPÍLOGO

A segunda capacidade que nos difere dos outros animais é aprender com os próprios erros. Mas eis que na segunda-feira, nosso amigo Elusmar volta ao noticiário.

“Vou injetar dinheiro no São Paulo para a gente ser campeão. Vou estudar com a minha parte jurídica como proceder amanhã (segunda-feira, 22). Vai ser 1 a 0 para a gente contra o Corinthians”.

Vai, Flamengo, nunca te pedi nada.

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